sábado, 18 de fevereiro de 2017

Dos dois mundos.

Que pensam esses homens de pele diferente?
Que pensam essa gente de vestes tão estranhas?
Adentraram nossas casas, insultaram nossa gente
Nos venderam como bichos, nos despiram as entranhas.
Que querem esses homens de linguajar mole?
Que tanto procuram ao nos vasculhar a terra?
Que percebem de tão ruim com nossa prole?
Que nos acorrentam qual prisioneiros em guerra?
Incendiaram nossa fé 
E derrubaram nossos altares
Nos despiram pé à pé
Desmontaram nossos lares
A troco de quê?
Meu axé, meu ifá, meu orixá, meu candomblé
Tudo traduzido pra essa língua
Que até escrevo igual a eles
Não é por gosto, e sim por medo
Por que interceptam meu pensamento
Proíbem nossos cânticos e nos açoitam sem razão
Depois me levam para igreja
E lá me deixam de pé num canto para o sermão...
E aqueles santos brancos em gesso
Nada se parecem comigo
Se olhares do ponto do avesso
Verás meu ego sofrido,
Meu corpo acanhado
Meu cabelo alisado
Meu lábio grosso encolhido
e uma alma: acanhada.
Mas dentro dela mora tudo
O que me foi arrancado
Desmorona o mundo dos que me pisaram
E grita a dor da fome do EU que sempre fui eu, eu, eu...


Até depois do fim dos dois mundos.


 (Por: Livia Queiroz)

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

.ignorável.

.deus.
ou quem quer que esteja ouvindo
me ajuda a não me afogar
nessa dor de peito grunindo
cheio de água, sal e pesar

.deus.
ou quem quer que seja você
me acuda, que já não há porre
que me faça retroceder
do pesar sombrio que escorre

.deus.
ou quem quer que esteja na escuta
coloca aqui no centro da minha mão
uma resposta ou uma norma de conduta
que desobstrua a entrada poesia-coração

Por: Livia Queiroz

terça-feira, 6 de setembro de 2016

As Cartas que não Rasguei n° 2

Enfim sós: Eu e o escuro.
A madrugada me apoia todos os dias que a insônia se encarrega de me trazer melodias que jamais, JAMAIS sairão da cabeça pra não dar o gostinho de saírem pra você.
To me matando por dentro, eu sei que to.
To corroendo meus riscos e até as cores que gosto dos livros que pinto: acorrentei, TODAS.

O que eu quero é o sossego da deriva...
Aquele minuto em que bate a desesperança e você sabe que vai morrer e é aí que o último instinto salta na garganta e rasga a voz, destroça o peito e vira o corpo do avesso contraindo tudo o que lhe dói num só vômito de realidade.

Quero esse ápice.
Quero esse esclarecimento de que você se foi.
De que você é o caminho sem volta.
A onda inoportuna e inconveniente.
Quero essa noção de distância em número.  Quero a quilometragem exata e imoral. Quero o barulho de sua respiração descompassada longe de mim.

Estou no aguardo...

Por: Livia Queiroz

sábado, 3 de setembro de 2016

As cartas que não rasguei

N° 01

"A verdade é que cada um só dá o que tem"...
Eu passo a vida inteira repetindo isso pra mim. Como um mantra. Como o que me mantém de pé.
Fato é que entre uma repetição e outra a gente para pra respirar e é aí que mora o perigo (não na respiração,  mas na pausa).
A pausa tira do eixo.
E eu saí um pouco. Eu cruzei um pedaço da linha, por sorte percebi os sinais...
E eles eram tão confusos, mesquinhos.

Na hora do aperto a gente faz o melhor que pode. Tira de pano vira gaze, papelão vira tala, improvisamos nos primeiros socorros... e esperamos o "socorro real" chegar. É ele que tem a experiência pra estancar o sangue, pra imobilizar o corpo, suturar os cortes... a gente só assiste.

E adivinha? No meio do meu caos de pequenas lesões, ele chegou, usou todas as técnicas e me acalmou.
Era meu mantra soando na paz dos meus batimentos cardíacos: "Cada um só dá o que tem!"

Ok. Levantei suturada. E saturada!!!!

E me recuso a aceitar menos do que dou. Me recuso a ser refém de situações que não tenho porquê lidar. Mas principalmente,  me recuso a suprir demandas emocionais que não me dizem respeito.

Não há nada de errado nisso. Essa certeza me salva... de mim... da minha estupidez cardíaca, mas sobretudo, me salva de você.

Por: Livia Queiroz

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Aqueles pequenos poderes

O que eu queria mesmo era te dar todos os poderes do mundo, aqueles que eu não possuo e por certo nem possuirei.

O que eu queria de fato era me fazer entender em todos os momentos em que o vento começa a soprar contra...

O que eu queria era que você olhasse pra mim da maneira como eu me mostro pra que você conseguisse enxergar direito e para que a cada milímetro você pudesse descobrir sem grande dificuldade qualquer pequeno vestígio de dor, de medo, de descuido, de hesitação.

Seria fantástico se as lamúrias não  me arrastassem pra tão longe de você, não no sentido físico mas no sentido mais subjetivo da coisa toda...

O que queria de verdade, e sem sombra de dúvida,  é que o entrelaçar das mãos fosse mais simples sem indagações,  sem equívocos.

Por: Livia Queiroz

domingo, 4 de outubro de 2015

Dedos apostos

Ela não consegue mais encontrar o caminho do poema
Nenhuma palavra aparece,
Nenhum som é encantadoramente interessante
Nem as mazelas da vida lhe são mais inspiradoras
Nem as paixões mais intensas
Nem a falta de rotina

Lá, no meio do mundo
O soneto se partiu ao meio
como que atravessado por um trem
como uma porcelana despencando da mão
como o pouco timbre dos que não existem...
E ela segue indignada pelo mundo
mas não lhe vem um verso
uma ousadia, uma ironia, um protesto
e por ora, ela segue procurando:

Olhos atentos,
boca entreaberta,
olfato preparado,
dedos apostos.

Mas, por enquanto,
Ela é só isso!


Por: Livia Queiroz

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Este ciclo

Existe uma coisa sobre a maneira de olhar pra vida que a gente só compreende quando acontece.
E essa "coisa no olhar" remodela a maneira de olhar de novo.
Por consequência muda-se o pensar e o pesar das coisas vistas.

Imagino que tudo começa e acaba da mesma maneira: quando se altera a forma de enxergar.

Não há muitos remédios para essa conclusão: Nenhuma casa permanece aberta para sempre.

A disponibilidade tem laços estreitos com a aperfeiçoamento do "olhar pras coisas". Os braços abertos só permanecem enquanto há o que se enxergar...

No mais, portas se fecham e peitos se rasgam.
Não há mácula nem medidas.  E segue-se o curso natural das outras coisas todas...

Por: Livia Queiroz

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Carta em Coma

Lá no baixo dessa colina há um poeta em coma. A sua casa está completamente cheia de afazeres domésticos e os e-mails se acumulam. Ora, essa! Essa criatura é imprescindível para o mundo, para as reuniões de trabalho, para as festas de aniversário dos filhos dos outros, para as duras críticas político-sociais. Ele precisa digitar o mais rápido possível para parecer sempre saber o que está fazendo em suas planilhas gigantescas. Ele precisa também sair à noite e ser visto para fazer “uma social”.  E na mesa dos bares que costuma frequentar com sua roupa bem passada, é proibido falar de mim, é que lá tudo é concreto demais para ser abstrato.

A cada dia que passa ele não entende o motivo pelo qual dentro de seu coração há uma bolha de ar. Pensa estar confuso, depressivo ou simplesmente triste, procura ajuda pra curar o que não está certo, e entre uma terapia e outra sorri mais aliviado com a esperança de que a viagem das férias prescritas, as gotinhas homeopáticas e os livros de autoajuda hão de funcionar com a velocidade das conexões tecnológicas. E aí o coma do poeta só aumenta porque não da pra ser duas coisas ao mesmo tempo, o poeta é um espírito aventureiro que pousa num corpo esperançoso de luz.

Daqui do alto, eu trabalho por conta própria, em meu nome e em nome de minhas irmãs, faço uns poucos versos de suplício enquanto observo o poeta lá em baixo se ligando à vida por um fio que a cada hora que passa fica mais fino. Oro com fervor. Creio eu, em todo poder da palavra, e é quase um crime hediondo ver poesias abafadas pelo caos que se instalou na rotina do mundo com total apoio e permissão de todos os homens.


Com desespero vital,
Poesia

27 de Abril de 2015

Por: Livia Queiroz

domingo, 21 de setembro de 2014

_simetrias_

(...) que po­­deria eu – logo eu – dizer à seu respeito? Não que eu não saiba, mas é que às vezes não me recordo das palavras que passam saltando diante do percurso inevitável dos olhos que carrego.
É como nas histórias de suspense: o sujeito ouve um barulho detrás da porta e, ao invés de correr, decide ficar e descobrir. E você tem sido o meu barulho... meu pânico regado à curiosidade.

Quantas horas à mais são necessárias viver para seguir ou perseguir aquilo em que se acredita? Talvez a vida toda... É que eu acredito em você e meu pânico acredita em seu barulho.

Acreditar não é a maneira mais fácil, e sim a mais intrigante, penso eu, porque é a coisa do “abrir a mão” e estendê-la, não como mero apoio, mas como uma doação. Acreditar indica disponibilidade. É isso! E se de um lado existem mãos disponíveis, imagino que pode deitar-se (se quiser) sobre elas fazendo com que pareçam estruturas, alicerces talvez...

Ainda sobre você, é complicado falar. Até gostaria, mas não é uma abordagem tão parca assim e, além disso, o que consigo traduzir em palavras são as informações mais simples. Saberia por exemplo responder a uma ficha cadastral com dados básicos a seu respeito. O restante é complexo demais para ser escrito ou descrito. É que há em você um poder diferente: um dialeto só seu cuja tradução é impossível de se fazer. Entendo parte dele, mas não há meios de transcrevê-lo. Até tento, dou uns passos pra trás para enxergar melhor e vejo... vejo mais do que gostaria... processo todas as informações, decodifico-as e aí rio tranquilamente, guardo o papel e a caneta, sem ira nem frustrações.
Você não nasceu para ser escrita.

E só nós duas sabemos do barulho atrás da porta!


Por: Livia Queiroz

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Rio novo

É como abrir inocentemente um frasco de perfume... Nesse momento não há ordem a se dar, o cheiro há de se espalhar.

E assim deve ser o fluir de almas: livre!
Pro meu ser não há muros ou cancelas,
minha caminhada é suave, mas é de um corpo só.
Não há novos espaços para outros esboços, há somente um cheiro, um frasco.

A liberdade é autoexplicativa, portanto não carece de fórmulas, pedidos ou lágrimas.

É apenas questão de coragem!

Por: Livia Queiroz

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sobre nosso tempo

Era o meio da madrugada e estávamos exatamente onde devíamos estar.
Todas as coisas, absolutamente todas, eram favoráveis, desde o seu toque à minha permissão para que meu corpo fosse desvendado.

Íamos cumprindo com sutileza e maestria a necessidade que o desejo trazia
Íamos seguindo à risca as regras do jogo nosso sem regras
E então seguia sua boca a caçar a minha lentamente
E iam minhas mãos acolher suavemente seus pensamentos

Os cheiros  do que era vontade nossa impregnavam em tudo
E a imensidão do céu sorria sem dificuldade cheio de estrelas,
E todo o céu de sua boca era também o céu da minha
Todo delírio seu chegava sussurrado a meus ouvidos e eriçavam-me os pelos

Por fim, era o seu eu a adentrar no meu fazendo com que – como num frenesi – por alguns momentos eu não soubesse mais onde você terminava e eu me iniciava.

Estava feita a mistura. Estava realizada a façanha:
Era a força do que me doava e a vontade de que desse certo.
Era a paz reinando e a vontade de estar pelo tempo que fosse, com o tempo parado.



Por: Livia Queiroz

sexta-feira, 7 de março de 2014

Cale a Boca!


Pra início de conversa me respeite, porque eu não nasci da costela de ninguém!!!

Não nasci pra lavar tuas louças muito menos tuas cuecas e se eu o fizer é por amor e prazer, nunca, jamais por obrigação.

Me respeite que eu não preciso de seu cartão de crédito pra ser feliz.
Me respeite que não preciso casar e ter seus filhos para ser completa, só o faço se eu desejar.

Respeite a minha bunda! O meu quadril inteiro, aliás, que ele não é antro de sua perdição.  Respeite a minha vagina que ela não é berço pra teus gozos fora de hora. Respeite meu corpo!

Me respeite nos teus comerciais automobilísticos. Me respeite no teu apelo de bebidas e farras. Não me pendure como objeto. Não me coloque de calcinha e sutiã num outdoor para que eu venda teus saltos.

Antes de vir me parabenizar pelo meu dia me respeite pelo que eu sou e não pelo pedaço de carne que você  vê!

Me respeite pelo que já lutei, e pela luta diária que enfrento. Respeite as roupas que gosto de usar e que não definem meu caráter nem meu desejo sexual. Respeite meu desejo sexual e a falta dele, por que eu não estou à sua disposição.

Respeite o cabelo que eu quiser usar. Respeite o fato de eu me sentir bem sendo eu. Me respeite nas suas capas de revista, nas suas passarelas, nas suas vitrines. Respeite o respeito a que me dou.

Me respeite nas suas piadas, nas suas gírias e nas suas frases feitas. Me respeite nas letras de suas músicas.
Respeite, porque eu não sou mais uma! Nem dessas que aceitam elogio num dia e cacete no outro. Eu não esqueço!

Me respeite, porque eu sei saber o que eu quero. Porque eu sei pensar sozinha. Porque não preciso de destaque por compensação, só preciso estar no meu lugar, o que é meu por direito conquistado. Porque não quero enfrentar ninguém, nem medir força.

Me respeite pela minha competência porque eu não preciso de teste de sofá.

Não venha dizer que sou especial só por um dia.
Não venha dizer que o mundo precisa de minha sensibilidade.
Não faça comparações ridículas entre mim e as flores dos jardins que nem conhece.

Pra início de conversa, antes de me parabenizar pelo que quer que seja, cale a boca e me respeite!


Por: Livia Queiroz


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

"Bora" ali, crescer!


Há muita dor pelo mundo inteiro. Há fome, frio, sede, violência, amores roubados, amores perdidos... Há muito do que se queixar, há muito do que se amargurar. Mas o bom da vida é ter o dia seguinte pra levantar a cabeça.

De tudo que tenho lido, tenho notado uma reclamação imperar: a ilusão.
Me pergunto o que seria a ilusão...
À seu modo, cada um define e sente como pode e isso dá até uma certa beleza ao sentimento, mas no fundo, nas partes mais internas do ego, se autoafirmar um iludido é assinar um atestado de incompetência na relação findada, aceitar a posição de coitado e usar uma coleira de vítima-abusada-ferida e sem perspectivas.  

Definir-se iludido (a) por alguém é dizer que é panaca mesmo, sem cerimônia. É admitir que alguém fez promessas e não cumpriu e você não foi adulto o suficiente pra encarar a frustração sem dar showzinho de criança que quer brinquedo que não pode.

A ilusão fica até bonita na história, se a história em questão for um conto de fadas cujo príncipe vai sempre aparecer no final e o “felizes para sempre” vai definir todos os dias seguintes. Mas pode crer, na vida real isso seria um saco!

Quem se deixa iludir o faz porque quer ego alimentado por promessas tolas, no fundo conhecemos o nosso canalha interior e reconhecemos o do outro também, o problema é querer ser Cristo quando as vestes combinam mais com as de Judas.

Vamos então pagar de humanos que somos e acertar nossas contas de forma justa, sem denegrir o outro na lama de nossos desejos não atendidos. Vamos aprender a suportar com destreza nossas dores e encarar nossas carnificinas com dignidade.

Ilusão é pra quem não entende que ao entrar na chuva mesmo com capa, algumas gotinhas hão de molhar...
 
Por: Livia Queiroz

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A poesia há de matar o mundo.



Se tem uma coisa que posso dizer sobre esse misto de palavras em versos, sobre esses versos em rimas... Sobre esses vícios em sonetos, sobre esses sonhos diluídos nas palavras de Sr. Ninguém, é que isso ainda vai matar o mundo.

E oro, e imploro pra que isso aconteça o mais rápido possível... É que não me aguento, não sustento minhas próprias pernas vendo tanta caricatura fúnebre.

A poesia há de matar o mundo.
Há de dilacerar tal qual fera violenta o mundo das crueldades.
Há de implodir em grau de atomicidade o mundo das dores.
Há de acabar com o mundo onde se exterminam os sonhos, as borboletas e os gibis.
Oro pra que a poesia acabe com a parte do mundo que se pinta de vil, de lamúria, de leviandade... Imploro pra que ela encerre com maestria e frieza o mundo dos apegos, das filas egoístas, das trilhas poluídas.

A poesia vai acabar com o mundo e suponho que isso ocorra um dia antes de se findar a primavera para que as sutilezas do verão deixem de ser as carnes ao sol e passe a ser o desenho das sombras pelas areias das praias...
Para que as palavras formais também ganhem brilho, não pelo que significam, mas por causa de quem as pronuncia...
Para que os casamentos tenham finais felizes ainda que não sejam pra sempre...
Para que massinha de modelar tenha a mesma importância que as tabelas periódicas...
Para que todos os calendários sejam mais coloridos...
Mas para que, sobretudo, o mundo se revigore de si mesmo...
A poesia há de acabar com o mundo.
E eu não me chamo quem eu sou.

Por: Livia Queiroz

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Lora


Foi desse jeito que nos casamos:
Era remoto o tempo e havia um sol tímido.

Do teu formato em metáfora de um tom vivo
Havia o manto do verso a amansar fervores

Era a coloração perfeita, certeira e sutil
A rimar com a palavra que haveria de nascer exclamada.

E no meio do caos e do delírio
Estonteante presença tua congelada no tempo.


Sem olhos, sem mãos, sem corpo tal qual imaginam os carnais
Me deu de beber, me deu de transbordar
E de silenciar...

Era encantada a palavra que não ousava sair
Era medrosa e humilde frente à tua fonte vital

E foi assim que casamos:
Sem padres, sem alianças, sem véu...

Casamos no meio do mundo
Testemunhados pelos ventos
Sob a marcha nupcial dos pássaros encantados
E assim nos fincamos: alma e flor.

E, de acordo com o que contam nas estradas de terra, seguimos por aí...

Felizes para sempre!

Por: Livia Queiroz
Foto: Nanda Bastos

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

- arma branca -


- do descaso para com os homens -

E eis que não senti raiva, não me recordo em momento algum de ter brotado esse sentimento. Talvez por que no fundo sei que mesmo que uma pessoa escolha um caminho turvo, muitas vezes ela é induzida à isso. Por notar que um sistema educacional falido e hipócrita só serve pra dar diploma à meliantes. (Não gosto da palavra "marginais" porque há tantos homens de bem que vivem à margem da sociedade, expulsos do próprio direito, que chega a ser constrangedor generalizar e compactar todos numa palavra cuja intenção seja definir um ser de caráter duvidoso.)

Como disse à princípio, não senti e nem sinto raiva. Só um pouco de medo, na verdade sinto muito medo e meu coração vem na boca ao escutar barulho de motocicletas.

Aconteceu na última quarta-feira (14/08)... E foi a pior sensação que tive em fração de segundos.
Tudo rápido demais. Seguia para entrada da faculdade por volta das 19:30 quando, uma moto com dois homens parou proxima à mim. Eu, que me encontrava na calçada, continuei andando por imaginar que eram apenas dois alunos chegando na faculdade também. Eis que para a minha surpresa o moço da garupa pulou na minha frente me agarrando pela gola da minha blusa e gritando: " passa o celular, bora passa o celular " demorei uns segundos pra assimilar a situação toda. Até aí tudo bem, eu ia dar o celular, podia levar a mochila toda se quisesse, mas eu sentia medo. E por uma dessas coisas lindas que acontecem em meio aos tumultos, uma moça notou a situação e sem hesitar começou a gritar e pedir ajuda aos seguranças da faculdade.  Nesse momento, o meliante desistiu de súbito do assalto e achou mais atrativo usar a violência pra demonstrar a frustração, o fracasso. O resultado: um soco no olho esquerdo e um barulho de moto com cheiro de fuga e ira. Consegui correr pra dentro da faculdade e tudo terminou bem.

Tirando um derrame no olho e um corte na pálpebra(por conta do óculos que ficou aos pedaços), dores na cabeça e inchaço no rosto, tudo terminou bem. E dos males, o menor.

Diante desse fato, posso concluir tantas coisas, mas a conclusão mais importante que cheguei é de que o ser humano é frágil. E não estou falando do soco que levei, nem do medo que sinto o tempo todo. Estou falando de fragilidade no que diz respeito a não aguentar a pressão, de não suportar viver na miséria, de não se contentar em estar sempre do outro lado das vitrines.

Tentei um olhar diferente, mas ainda assim só consigo sentir dó e medo. E sabe-se lá se eles chegaram vivos em casa, ou se tinham casa, ou se queriam ir pra casa... Sabe-se lá se tem um futuro... Passei algum tempo me olhando no espelho, o corte não tá bonito, mas e se ele for a expressão da pobreza e do fracasso querendo tomar satisfações?  

E essa violência gratuita não seria uma caricatura de uma pobreza que tem fome de dinheiro fácil porque é bombardeada o tempo inteiro com o estímulo dos desejos ou seduzida pela tentativa de ser vista como igual? Sem meios pra isso uma represa se rompe deixando vir à tona todo o poder em fúria que possui.

Não os estou isentando da responsabilidade pelo que fizeram porque se quisessem poderiam escolher outros meios de “ganhar” a vida, mas essa talvez seja uma responsabilidade a ser divida. E não é com pena de morte (como sugerem os mais radicais), nem com bolsas migalhas, que solucionarão o grito violento dessa gente. O ser humano quee ser visto, ser olhado como tal. É preciso dar atenção devida à isso e  arrumar solução em meio ao caos instalado.

Se me pedirem receitas, fórmulas, soluções, direi que não as tenho por completo. Mas sei que elas existem e que é necessário procurá-las. As pessoas estão sofrendo e dores podem criar monstros.
Eu não pude fazer nada para me defender. Eu não reagi. Eu não orei. Eu não lembrei de Deus na hora do susto. Eu só lembrei do medo e da porcentagem de dor a mim transferida por conta da raiva reprimida que corroía aquele homem.

Eu possuo, para legítima defesa, apenas duas armas: uma pontiaguda e a outra branca.
Caneta e papel.

Gostaria que eles as possuíssem também, e agora, além do medo sinto brotando um pouco de tristeza.

Da pior violência que pode existir, a maior delas é desacreditar na bondade do ser humano. Isso sim é triste demais para ser escrito.



Por: Livia Queiroz

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Cabimento

E o sorriso dela era diferente.
Havia algo de singular...

Em tontura de súbito prazer,
Quis dizer oi.
Mas não disse.

E tinha algo mais
Que um sorriso em sua boca...

De improviso me beijou
Quis dizer não
Mas não disse.

E em meio as mãos firmes
Cheias de calor...

Num resgate sorrateiro
Me iluminou o dia
Quis dizer algo.
Mas não disse.

Me pediu primevera
E me trouxe flores
Me pediu enlaces
E me trouxe seus sabores
Me pediu que sentisse
E me trouxe seu gosto.

Quis dizer sim.
Mas não disse.

Cabia na boca a resposta.


POR: LIVIA QUEIROZ

sábado, 1 de junho de 2013

Nem Era uma Vez...

                  *
Era uma vez uma noite
E uma menina revestida de lua
E olhos ávidos por futuro
Era uma vez um quarto
E uma janela sempre fechada
Uma cama serena
Alguns livros
Coleções de brinquedos
Era uma vez uma noite
Revestida de menina
E olhos de luar
Era uma vez um cansaço ligeiro
E pernas doídas
E repouso de corpo
                e espírito
E criança adormecida.

                  **
Era uma vez nessa mesma noite
Um corpo frio
Revestido de colchas
Embrulhado pro tempo
Era uma vez um frio no corpo da noite
Revestido de tempo
Nessas mesmas colchas
De retalhos de sonhos
E uma menina a sorrir
Pelo lado de dentro
[Que é onde vivem os sonhos]

                  ***
Era uma vez, indumentária florida
Chamando festiva a menina no sonho
Que ora era palácio, ora era suplício
Ora clamor, ora pudor, ora fervor
Era uma vez a menina no sonho,
Num palácio florido,
E com canetas nas mãos
Sem teorias nem demagogias
Sem regras, apenas entrega
Era uma vez umas canetas floridas
Em suma entrega ao papel em branco
De um sonho confuso
Sem jeito nem leito
Com dó do sujeito que depois
O adivinharia.

                 ****
Era uma vez uma menina
Acordando sem jeito
Sem nó no sujeito
Sem caneta nem papel
Nem palácio, nem cor
Sem flor, sem fervor
Só pudor e quase amor
Mas que ria, se ria
Toda se ria, de dentro
E de fora, sorria e se ria
Era uma vez um sonho
Que virou poesia
E se achava o mais lindo
Pois sem rima se ia
Mas a menina sem jeito
Danada de não lembrar
De um poema que foi feito
Todo revestido de luar.

Por: Livia Queiroz







domingo, 26 de maio de 2013

Bosqueado

- gosto de encantos
e das palavras de sua boca
e sua boca me encanta
e eu amo estar nela.

- tenho fascínio por seu batom
vermelho-não-usado
e que me mancha em
pensamento.

- sou louca por seus sonhos
gosto de decorá-los
e a sua seda combina
com minhas cortinas.

- tenho loucura por janelas
principalmente as
bosqueadas
onde cantam os pássaros
enquanto você colhe os meus lírios.

- adoro a claridade
o céu com estrela
o céu de sua boca
a cor de suas mãos
as suas mãos em minha carne.


- gosto do “estar singela”
do estado leve das coisas
da poesia sem peso
de você em meu seio.

Por: LiviaQueiroz

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Desarmários


Dia 17 de maio: Dia Internacional Contra a Homofobia!


A gente se acostuma e até releva os adjetivos errôneos, porque quem tem boca fala o que quer mesmo que fale asneiras e proclame as insanidades mais deslavadas...            
A gente aceita - e até ri de canto de boca - ter um pejorativo errado “o sapatona” (quando o correto seria sapatão).    
A gente até se acostuma com piada de “viado”, e ri junto se for engraçada, e até aprende pra contar aos nossos amigos do babado depois. A gente só não ri do que fere nossa inteligência...
O que a gente não dá conta de aceitar é ver nosso desejo jogado no lixo, é ver reacender fogueiras onde as corjas ditas “santas” queimarão nosso sexo como se fosse papel em desuso.
O que a gente não precisa entender é o motivo pelo qual se preocupam com o conteúdo das paredes de nossos quartos, com nossas mesas de bar, com o que há por trás de nossas mãos dadas e nosso riso de gente.             
O que queremos dizer com tanta luta, com tantos discursos, com tanta voz alta é que em pleno século XXI nenhuma raça, nenhum clã, nenhuma classe – ou como prefiram chamar – deveria mais precisar levantar bandeiras (pois elas já estão todas hasteadas), o ideal seria apenas não tentar rasgá-las.
A nossa luta é por uma bandeira inteira, intacta, sem remendos. E quando falamos em bandeira, não falamos de pano em mastro, falamos da noção exata de respeito, com todos os caracteres inclusos, com todas as formas, tons, e sons possíveis. Não queremos ter que cansar a voz, nem as pernas e os braços em protestos desnecessários. Queremos o direito diário de levantar todos os dias com a certeza de que estamos em paz e também cantaremos loas. Queremos desarmar nossos armários. 


Por: Livia Queiroz